Associação Comercial e Empresarial do Distrito de Aveiro

A responsabilidade subsidiária

Partilhamos convosco artigo publicado pelo gabinete fiscal da confederação do comércio e serviços de Portugal do passado dia 30 de novembro e da responsabilidade da N. Pinto Fernandes, J. Durão & Associados, Consultores Fiscais, Lda.

Nos termos do artigo 24.º da LGT – lei geral tributária, os administradores, diretores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas coletivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:

a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa coletiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;

b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.

Esta responsabilidade imputável aos administradores começou por ser uma verdadeira responsabilidade objetiva, independentemente da culpa dos administradores ou gerentes na falta de pagamento das dívidas ao Estado, mas já não é o caso, pelo menos, desde a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 68/87, de 9 de fevereiro, que determinou que à responsabilidade dos gerentes ou administradores de sociedades de responsabilidade limitada prevista no artigo 16.º do Código de Processo das Contribuições e Impostos, era aplicável o regime de responsabilidade constante do então artigo 78.º do Código das Sociedades Comerciais.

Mas a avaliar pela massificação dos despachos de reversão, nos termos em que têm vindo a ser proferidos, até parece que tal responsabilidade objetiva ainda se mantém.

Com efeito, o mencionado artigo 24.º da LGT prevê duas situações de imputação de responsabilidade com consequências manifestamente diferentes. No caso da alínea a) é pressuposto da sua aplicação que tenha sido por culpa do administrador ou gerente que o património da pessoa coletiva se tornou insuficiente para a satisfação das dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, competindo à administração tributária o ónus de prova da existência de culpa. Já no caso da alínea b) é pressuposto da sua aplicação que as dívidas tributárias não tenham sido pagas no prazo legal de pagamento ou a entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, competindo ao administrador ou gerente provar que não lhes foi imputável a falta de pagamento. Sendo certo que, para as mesmas dívidas tributárias, de um modo geral, o administrador nomeado à data do facto gerador é o mesmo que à data do prazo legal de pagamento, pode dizer-se que a administração tem o poder discricionário de fazer recair o ónus de prova sobre o contribuinte, inundando os Tribunais com os subsequentes processos de oposição que são apresentados como meio de defesa, fazendo com que, nos últimos anos, o número de processos em que se discute a responsabilidade pelo pagamento da dívida (oposições) seja superior ao número de processos em que se discute a legalidade da dívida (impugnações judiciais). Com efeito, perante os milhares de processos de reversão que as estatísticas evidenciam (no ano de 2014, atingiram um máximo histórico de 405 509 despachos de reversão para audição prévia), podem “contar-se pelos dedos”, os processos em que o despacho de reversão tenha sido proferido com base na alínea a) do n.º 1 do artigo 24.º. Invariavelmente, é invocada a alínea b) fazendo recair sobre o administrador ou gerente o ónus de prova. À época ter-se-á considerado que este ónus de prova do administrador ou gerente não tinha carácter desproporcionado, já que o Fisco não estava nas mesmas condições dos credores comuns para conhecer dos vários aspetos de funcionamento da sociedade, e, designadamente da sua situação financeira. Tendo em conta a informação que é atualmente comunicada à administração fiscal que lhe permite um conhecimento muito superior ao de qualquer credor sobre uma qualquer empresa com que se relacione, parece estar na hora de se reponderar a repartição do ónus de prova, fazendo-a recair sobre a administração tributária como parece ser a regra na legislação fiscal dos outros países. Mas para além de um injustificado desequilíbrio da repartição do ónus de prova, os administradores e gerentes ainda se têm vindo, recentemente, a confrontar com mais um procedimento massificado, agora da segurança social, que, parece levar comodamente à letra, a redação do n.º 2 do artigo 23.º da LGT. Invariavelmente o projeto de despacho de reversão refere que:

a) “Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 153.º do Código do Procedimento e Processo Tributário (CPPT), foram compulsados todos os dados constantes no Sistema de Execuções Fiscais e de Identificação e Qualificação…”

b) “Das diligências levadas a cabo, resultou não serem conhecidos bens móveis ou imóveis que sejam suficientes para o pagamento da dívida exequenda e do acrescido.”

c) “Procedeu o órgão de execução fiscal à penhora de saldos bancários, à penhora de créditos de IVA e outro, não tendo daí advindo o ressarcimento integral coercivo da Segurança Social”

d) “O que permite ao órgão de execução fiscal concluir pela necessidade de acionamento da responsabilidade subsidiária, conforme dispõe o n.º 2 do artigo 153º do CPPT”

É certo que, ao contrário de outras legislações fiscais, a possibilidade de reversão não depende da situação de falência do devedor originário, mas depende apenas da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários. Todavia, cabe à administração o ónus da prova de que se verificam os factos que integram o fundamento, previsto na lei, para que possa chamar à execução os responsáveis subsidiários e reverter contra eles o processo executivo, cabendo-lhe, por isso, demonstrar que não existiam, à data do despacho de reversão, bens penhoráveis do devedor originário ou, existindo, que eles eram fundadamente insuficientes. A jurisprudência tem considerado que “o conceito «insuficiência» deve ser fixado objetivamente com recurso aos conhecimentos técnicos do direito fiscal, de forma a obter uma avaliação rigorosa e adequada dos bens penhorados e penhoráveis do devedor originário, não podendo o conceito ser preenchido subjetivamente através da avaliação que o funcionário que lavra o auto de penhora faça sobre o valor dos bens penhorados». Neste quadro, o dever de fundamentação do despacho de reversão assume um sentido específico no que respeita ao preenchimento do conceito de «fundada insuficiência de bens penhoráveis do devedor originário». Esse sentido implica a explicitação das diligências realizadas, bem como a indicação dos bens detetados e a sua avaliação técnica e objetiva, de forma a justificar o chamamento de terceiro, o responsável subsidiário, ao cumprimento da dívida exequenda, sem que haja lugar à excussão prévia do património do devedor originário, sem prejuízo da suspensão da execução quanto ao revertido, até à completa excussão do património do devedor originário, nos termos do preceito do artigo 23.º/3, da LGT”. Não obstante, para a Segurança Social o património das empresas circunscreve-se ao que consta do seu Sistema de Execuções Fiscais e de Identificação e Qualificação, não se conhecendo quaisquer outras diligências para identificação de património. Face ao crescente volume de queixas visando a conduta das Secções de Processo Executivo (SPE) do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP (IGFSS), a Provedoria de Justiça fez recentemente uma inspeção tendo concluído que “Não sendo pesquisáveis todos os bens penhoráveis do devedor originário, como os móveis (não constam em CDF), nem constituindo prática a penhora desses bens, de todo, ou, em geral, a de bens imóveis, será provável que se efetuem inúmeras reversões indevidas, por dívidas de empresas que até dispõem de património penhorável e suficiente (stock de produtos, máquinas, viaturas comerciais, instalações, etc.)”. Sobre a falta de interesse deste tipo de diligências, foi referido que “o IGFSS não tem grande interesse em despender esforços numa venda cuja produto reverte, em regra e na sua maior parte, para bancos com hipoteca anterior”.

E, assim sendo, massificam-se reversões, porque é só fazer copy past e carregar no botão!

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